sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

À DERIVA

Queria falar das cores alegres, as mais vivas que lhe vinham à mente, mas de nada adiantava.
O cinza e as cores mais escuras predominavam.
Queria falar da alegria dos raios solares, do canto dos pássaros ao longe, do som das ondas batendo no casco. Mas de nada adiantava.
O vento frio que vinha do Sul ainda o fazia tilintar os dentes.
Queria falar de tanta coisa, mas as coisas é que falavam dele.
Meses já haviam passado, mas era como se tivesse sido ontem.  E não tinha com quem compartilhar tamanha frustração. O rádio havia muito não funcionava. Nem pombo-correio poderia se dar ao luxo de usar. Não. Eles não chegavam ali.

Sensação horrível de se estar à deriva, sem sinal de terra firme, de não ter onde se agarrar.
Pensava que, àquela altura, já deveria ter chegado. Já deveria estar com ela, mas não.
E agora, nem certeza de que era esperado tinha mais. Tudo sumiu como fumaça.

Resolveu então escrever.

Aquela caligrafia horrível.
Por causa da digitação que era super rápida, segurar numa caneta já não era mais o seu forte. Mesmo assim, ousou tentar.

O quê dizer? Com quem falar?

Ninguém iria ler. Provavelmente, ninguém veria aquele escrito.

Mesmo assim, ousou escrever.

“Errei o caminho. Tentei acertar. Não consegui. Não sei se vou chegar. Mas se chegar, tudo estará diferente. Já não estarão mais esperando. Não posso culpa-los. Uma pena. Tudo poderia ter sido diferente se chegasse no tempo certo. Mas não foi assim que aconteceu. Espero que estejam bem. Em mim, dói a saudade. Que pretendo matar quando chegar. Mesmo estando diferente, e encontrando não mais as pessoas que deixei, mas as pessoas nas quais vocês se tornaram. A vida é assim. Somos como as estrelas. Muitas vezes, o brilho que vemos, é o passado. O presente pode ser bem diferente. Mas ainda assim, não podemos esquecer de olhar para o horizonte. Onde as estrelas brilham. Lá, bem longe, enquanto umas morrem, outras nascem. Nascem para ocupar o lugar daquelas que se foram. Mas que jamais serão esquecidas.”

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